Segunda-feira
Toda
segunda-feira começa cedo mesmo que se acorde tarde.
As
segundas, aliás, começam quase sempre na véspera, “amanhã já é segunda” (toda
noite de domingo traz com ela, além de depressão habitual e do som de uma TV
ligada, uma segunda-feira inevitável).
Toda
segunda, há uma promessa a ser cumprida, pelo menos uma, muitos ônibus lotados,
atrasados motivados pelos mais diversos motivos e um alto índice de enfartes.
Toda
segunda tem a esperança de um telefonema que mude a sua vida, tem um papel pra
ser assinado, tem uma prestação pra se botar em dia e tem uma importante
decisão a ser tomada.
Toda
segunda tem um pouquinho de primeiro do ano.
Toda
segunda, um cantor de bar fica rouco, um bailarino está exausto, um artista de
teatro aproveita sua folga até a próxima quarta e a namorada de um garçom
capricha na lavanda.
Toda
segunda, um homem que bebe procura urgentemente uma desculpa.
Toda
segunda tem alguém que parou de beber, tem alguém que parou de fumar, tem
alguém começando uma dieta.
Toda
segunda, em um prato, em uma cozinha, tem um resto de bolo de chocolate.
Toda
segunda, as agendas das garotas acumulam novos ingressos de show, notinhas de
bar, pétalas de flor, guardanapos de papel, bilhetes de amor e ficam ainda mais
gordas.
Em
compensação, as folhinhas, se é que ainda existem folhinhas, vão ficando mais
magras.
Toda
segunda tem pelo menos um bom dia que é dito com alegria por alguém que
encontrou o seu amor no final de semana, e pelo menos um que é dito com
tristeza por alguém que perdeu o seu, ou porque ele se foi, ou porque o amor
perdeu a graça.
Toda
segunda, secretárias com muitas aventuras pra contar deixam os chefes malucos
atrás de documentos, relatórios e cronogramas.
Toda
segunda, os desenganados têm mais um domingo pra contar e os infelizes da vida
ficam contentes porque têm menos um domingo pela frente.
Toda
segunda, alguém começa uma contagem regressiva.
Toda
segunda, uma expectativa se estabelece.
Toda
segunda, um prazo se esgota.
Segunda
sim, segunda não, já se passou uma quinzena e alguém continua esperando alguma
coisa que não chega nunca.
Toda
segunda, existe um trabalho chatíssimo pra fazer, a não ser que, sorte a sua,
seja feriado.
Toda
segunda é ensolarada, mesmo as mais chuvosas, só pra arruinar o humor da
humanidade.
Toda
segunda é igual à outra, menos se o seu time ganhou, se o despertador não
tocou, se o seu filho nasceu ou se um terremoto destruiu a cidade.
Toda
segunda, nascem não sei quantas crianças, umas de parto normal, umas de
cesariana, e todas elas, benza Deus, segunda que vem vão completar uma semana.
Toda
segunda, faz um ano exato que um fato qualquer aconteceu e para alguma coisa,
por algum motivo, isso tem uma enorme importância.
Toda
segunda é meio lembrança, meio começo, meio cansaço, meio maçante, meio preguiça,
meio esperança.
Toda
segunda tem alguma coisa ruim, alguma coisa boa e uma péssima fama.
O texto acima foi extraído do livro "O doido da garrafa", Editora Planeta do Brasil – São Paulo, 2003, pág. 53.